A meia-entrada cultural se tornou um dos
pontos mais polêmicos do Estatuto da Juventude, que tramita no Congresso
Nacional mas, na verdade, é um debate que ronda o movimento estudantil
pelo menos desde os anos 90.
Até então detentora do monopólio da
emissão das carteirinhas que davam acesso ao direito de pagar metade do
preço em eventos artísticos e esportivos, a UNE e a UBES, presididas por
uma organização de esquerda, eram criticadas por cobrarem uma espécie
de “imposto estudantil”, que levaria a um “aparelhamento” das entidades.
Em 2002, o governo de Fernando Henrique Cardoso aprovou uma Medida
Provisória permitindo que todo adolescente até 18 anos pagasse
meia-entrada comprovando a idade e todo estudante também, provando seu
vínculo educacional. A partir daí uma gama de “entidades” e “carteiras”
estudantis surgiram, “democratizando” o benefício, mas enfraquecendo as
entidades estudantis. Hoje a questão volta à tona.
Na nossa opinião, vale discutir o
presente: em torno da MP, a meia-entrada virou um lucrativo negócio
complementar à própria indústria cultural que reclama do excesso de
meia-entrada. Foi mais ou menos como o fenômeno dos CDs piratas.
Primeiro, incentivados pelas gravadoras como forma de ampliar lucros e
reduzir a rentabilidade dos artistas. Depois, um prejuízo incalculável
quando a economia popular expandiu espantosamente a iniciativa como
fonte de renda.
Enquanto setores da esquerda acreditam
que travam uma disputa real sobre se a meia deve ser só para estudantes
ou para todos os jovens, a direita, representante dos poderosos
interesses empresariais do ramo artístico no Congresso Nacional, já
demarcou suas fronteiras. Ninguém menos do que os então poderosos
senadores Aloízio Nunes Ferreira (PSDB/SP) e Demóstenes Torres (DEM/GO)
impuseram cotas para o exercício do direito neste estágio atual do
projeto. Assim, em eventos com patrocínio público, 50% dos ingressos
seriam reservados aos portadores de qualquer tipo de meia, seja pela
renda, carteirinha ou vínculo escolar. Em eventos só com patrocínio
privado, apenas 40% seriam reservados a este público. Ao definir este
território para início de conversa, qualquer proposta alternativa está
de partida derrotada, pois, seja como for, terão que se engalfinhar em
torno deste percentual que sobra.
Há quem não se importe com o fato de que
estudantes ricos e pobres por esta migalha, prejudicando, claro, os
segundos, com menor poder aquisitivo, desde no próximo CONUNE ou CONUBES
se possa cantar que tal força “contra o He-Man apoiou o Esqueleto”. Há
ainda os que não vêem problema nesta competição selvagem acreditando que
o enfraquecimento de uma entidade estudantil é sinônimo do
enfraquecimento de uma força política, ainda que ela seja de esquerda,
associada à rasteira ilusão de que, ali na frente, por causa disso,
outro grupo poderia tomar a tal entidade de assalto.
Nossa opção é mais profunda.
Acreditamos que o mundo tal como é hoje
deve ser girado, para que os de cima não fiquem para sempre em cima e,
os de baixo, para sempre em baixo. Por isso, o enfrentamento com a
direita é a prioridade e só pode obter sucesso juntando a esquerda e
permitindo que o jovem ou estudante que precise pague meia, sem cotas,
que, na verdade, são o capitalismo sem risco, com margem de lucro
garantida.
Também achamos que apesar da grande
mobilidade social vivida pelo Brasil desde 2003, que gerou a “classe C”,
onde a maioria é jovem, esta ainda não é capaz de sustentar o projeto
político de quem a gerou e, menos ainda, as transformações necessárias
para libertá-la completamente dos grilhões que a prendem na alienação
intelectual, política e cultural forjada em 500 anos. O povo brasileiro
ainda precisa de centrais sindicais fortes, movimentos camponeses fortes
e entidades estudantis fortes.
UNE e UBES estiveram na linha da
resistência em 2005 contra o golpe das elites e não é porque são
“aparelhos” que apanham diariamente da velha mídia golpista. Nós, por
isso, achamos que é estratégico fortalecê-las e financiá-las,
construindo uma direção política plural, de esquerda, democrática e
popular assim como a atual direção política do Governo Federal.
No caso da meia-entrada, nossa
contradição é com as cotas e com o poder de bala das elites do ramo
cultural, que querem um movimento estudantil dividido para encontrarem
pouca resistência na marcha dos interesses privados contra os direitos
públicos. Elites que não se importam com quem vai pagar meia, desde que
seja 50% ou 40%. O aspecto fundamental da contradição é saber que
precisamos de entidades estudantis fortes para apoiar o aprofundamento
das transformações sociais do Brasil.
Dada as condições concretas da luta de
classes no Brasil, optamos por defender a meia-entrada para os
estudantes, vinculada às carteirinhas da UNE e UBES, o financiamento da
UNE e UBES pelas suas bases sociais, em detrimento dos mercadores que as
enfraquecem vendendo direito para a estudantada. Na outra ponta,
sustentamos a meia-entrada para o jovem de baixa renda que não estuda,
até porque somos a favor da universalização plena da educação. Não obsta
que, posteriormente, a UNE e UBES possam fazer um selo para prounistas,
fiesistas e cotistas, assim como dialoguemos com o governo sobre o
tema, com destaque para a Casa Civil, que é quem efetivamente decide,
para convergirmos em torno de quem é esta “baixa renda”. Seriam as
classes D e E do Instituto DataPopular ou da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência? Seria pelo DataSUS ou pelo Bolsa-Família?
Este benefício seria tirado como as meias-passagens municipais, em
pontos fixos?
Este é um debate para o futuro. Hoje, trata-se de derrotar o inimigo principal.
Artigo de Angelo Raniere, 2º
vice-presidente da UNE e Caio Pinheiro, vice-presidente da UBES. Ambos
integram o movimento estudantil ParaTodos
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