SÍRIA: O DIFÍCIL ENCONTRO COM AS FERIDAS DA GUERRA
Domingo é o primeiro
dia de trabalho na semana para os sírios. O final de semana começa na
sexta-feira, como prega a tradição muçulmana (maioria na população
síria), mas o hábito também foi incorporado pelos católicos e cristãos
ortodoxos. Foi no domingo também que iniciamos o primeiro dia de visitas
e agendas de trabalho na Síria da delegação composta por organizações
filiadas ao Conselho Mundial da Paz e à Federação Mundial das Juventudes
Democráticas. Em primeira atividade, organizamos uma visita a soldados
feridos nos conflitos que estão em recuperação no Hospital Militar de
Damasco.
Recebidos pelo diretor do
hospital, um Comandante do Exercito da Síria, em um auditório o militar
sírio nos apresentou brevemente um panorama sobre os confrontos em curso
no país. Relatou que o exercito sírio não luta contra seu povo, mas sim
o defende de milícias formadas por mercenários vindos principalmente do
Afeganistão e do Iraque (durante a ultima guerra no Iraque 2 milhões de
refugiados iraquianos migraram para a Síria). A maior parte dos
confrontos entre o Exercito sírio e as milícias mercenárias ocorrem na
região norte do país, próximo à fronteira com a Turquia (país com
reconhecida hostilidade à Síria). Em Damasco não houve e não há nenhum
tipo de confronto, a capital da Síria tem sido vitimada por covardes
atentados terroristas com carros-bomba, que já levaram mais de 30 civis à
morte.
O Comandante do Exército
destacou ainda a importância do veto imposto por Rússia e China no
Conselho de Segurança da ONU a qualquer tipo de intervenção militar
externa em seu país, o que sem dúvida, caso ocorresse, desencadearia um
grande banho de sangue. Agradeceu também em especial o apoio que o
governo e o povo da Síria tem recebido da diplomacia brasileira em meio a
esta crise. Encerrada a reunião com o diretor do hospital, fomos
levados a uma cerimônia militar fúnebre de três soldados mortos em
confronto. Feitas as homenagens, os corpos foram entregues às famílias
num clima de profunda tristeza. Perguntei a um militar próximo a idade
dos soldados mortos, todos tinham menos de 24 anos.
De volta ao hospital nos
dividimos em três grupos para visitar nos quartos os soldados feridos.
No primeiro quarto encontramos dois jovens. Um deles recebia também a
visita do pai. Com a ajuda de um tradutor expressamos o nosso sentimento
de solidariedade e de desejo de pronta recuperação. Dissemos também os
países de origem de cada membro da delegação. Quando nos preparávamos
para partir em direção ao próximo quarto, o pai que visitava o filho
ferido, e que até então nos olhava com certa desconfiança, diz
emocionado ao tradutor que agradece muito a nossa visita e pede que
façamos o possível para ajudar a cessar os conflitos. Estava ali
visitando o filho mais velho, um outro mais novo, morreu em confronto há
três meses.
Em outro quarto nos
deparamos com um senhor de cerca de 60 anos. Perdeu parte da perna
esquerda em uma troca de tiros com grupos milicianos. Estava acompanhado
de sua esposa, vestida toda de preto por conta do luto, um dos filhos
do casal morreu em uma emboscada a uma patrulha do Exercito em Homs
(norte na Síria).
Depois
do hospital visitamos a Universidade de Damasco, onde tivemos uma
reunião com representantes da União Nacional dos Estudantes da Síria. A
UNE deles também representa estudantes de universidades públicas e
privadas e conta com a participação de diversas forças políticas. Mas o
fato que quero registrar sobre a visita à universidade foi um diálogo
que presenciei entre um grupo de estudantes (principalmente mulheres) e
alguns membros de nossa delegação. Diziam revoltados que há muita
mentira nos meios de comunicação sobre a Síria, principalmente por parte
da Al Jazzeera, que é ligada ao regime do Quatar.
Parte do grupo relata que há
duas semanas participou de uma grande manifestação em Damasco,
repudiando às ações das milícias e em apoio às medidas do governo, mas
que foi noticiado pela CNN e BBC que se tratava de uma passeata de
opositores de Bassar Al Assad.
No regresso ao hotel, após
um dia inteiro circulando pela cidade, o clima entre nós era de
indignação e perplexidade. O contraste entre os feridos e mortos que
vimos no hospital com a normalidade da vida em Damasco (lojas abertas,
universidades funcionando, ruas cheias e movimentadas) deixa evidente
que o conflito na Síria é uma ação orquestrada por grupos mercenários
armados, incentivados por minorias ultra-sectárias islâmicas que de
forma oportunista e vergonhosa contam com o apoio da União Européia e
dos EUA.
Do portal Juventude na Rede
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